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Conversas Filosóficas

Uma das melhores experiências que se pode ter com a Filosofia se encontra no diálogo. Não estou usando esta palavra sem pensar em casos específicos e concretos, uma vez que quero me afastar da famosa "proposta de conversa" que são feitas ao início de muitas aulas e quebradas logo em seguida com monólogos expositivos extenuantes. Não tenho como objetivo aqui criticar as performances de monólogos das aulas ou comunicações, isso é assunto para outra hora. Adianto somente que eles são apenas uma das várias formas de se fazer Filosofia. Tenho em mente outra modalidade, a conversa filosófica. É difícil delimitarmos o que pode ser uma conversa filosófica. Ainda assim, não precisamos, para falarmos desse fenômeno aqui, de definições que demarquem com precisão um ponto inequívoco do espaço lógico. Fiquemos apenas com a semelhança da família daquela típica conversa descompromissada que versa sobre temas filosóficos entre amigos e colegas. Sim, uma definição um tanto quanto vaga. Novamente, não há como ir muito além, caso contrário estaria aqui defendendo e demarcando talvez uma posição do que é Filosofia e como se faz Filosofia (apesar de que todas as vezes que fazemos Filosofia já estamos demarcando o que é Filosofia). Portanto, a título de simplicidade, esqueça a ambição de precisar limites e bordas bem definidas de um mapa, fiquemos apenas com uma paisagem que com pouco esforço nos lembramos dos contornos do terreno.

Algumas dessas paisagens podem ser:

  1. Uma conversa sem muitos objetivos e empenho na fila do Restaurante Universitário;
  2. A oportunidade inesperada de botar um colega em saia justa a partir das consequências embaraçosas de uma fala inicial sem pretensões filosóficas enquanto se espera o ônibus;
  3. O momento oportunista de lançar uma pergunta cínica somente para se divertir com o absurdo da própria pergunta enquanto se mata uma aula;
  4. A tentativa na mesa do bar de criar uma ponte entre formas diversas de se filosofar;

Espero que esses casos tenham aproximado o que considero aqui como "conversa filosófica". Essa não é uma lista exaustiva e conclusiva. É óbvio que existem outros milhares de casos que talvez muitos considerassem, como até mesmo um encontro de orientação. Mas o que quero esboçar e extrair de comum desses cenários é a formação de um sujeito coletivo que não começa em si e acaba nos limites das suas experiências particulares. Refiro-me, no entanto, a uma forma de intersubjetividade específica da conversa filosófica em que você encontra as suas palavras na boca do outro, seja na disputa ou no complemento, ou encontra a sensação do outro na sua pele. A partir dessa descrição incluo e excluo alguns casos nisso que viso costurar como uma semelhança de família. Conversas de orientações podem ser mais uma instância de conversa filosófica? Sem dúvida! Porém, muitas das vezes não são, pois estabelecem uma relação de poder que a formação de uma subjetividade coletiva não se cria, ou pelo menos não essa subjetividade coletiva que descrevi.

A conversa filosófica é um prazer que emerge da contingência, do habitual, banal, ordinário, cotidiano, comum. É quando seres que comungam de uma mesma forma de vida filósofe (mas não necessariamente da filósofia profissional) estabelecem o filosófico num espaço, meio e momento que é tido como não-filosófico. É mostrar uma outra face da Filosofia que contraria a disciplina de altíssima vaidade e rigor que reivindica o que se chama de "obra", "teoria" ou "conceito". Neste instante não-filosófico que surge o filosófico se cria um produto comum, rudimentar com fraquezas e contradições, mas que é lapidado em conjunto até reluzir. Na conversa filosófica ninguém está para superar, silenciar e derrotar o outro, mas para avaliar a potencialidade no que se diz. A conversa filosófica consiste em entender que a produção filosófica não é um ato de intelecção solitário, tão pouco um momento de consolidação de Nome e Autoria. A conversa filosófica se resolve na parceria, confiança e companheirismo.